História da Sofia e da Helena

Descobri minha gestação com 5 semanas: eu tinha 22 anos, estava no ultimo ano da universidade, sou fisioterapeuta e o ultimo ano é estágio, ou seja: pesado fisicamente. Tinham poucos meses que eu havia retornado de um intercâmbio, e eu estava em pleno choque de cultura ainda, perdida nos meus objetivos e agora com a maior responsabilidade da minha vida: cuidar e ser morada de um ser humano.
COMO eu ia sustentar essa criança se eu nem formada estava? Como meu companheiro ia participar disso, se ele também estava terminando a universidade há 500km de distância? Caos. Meus pais ficaram muito revoltados de primeira, mas me apoiaram muito, mesmo assim, nada me confortava. Carina, um anjo em forma de gente, grande amiga minha, ficou imensamente feliz… Ela sabia que esse era um grande sonho meu, e ela estava ali pra me ajudar no que precisasse! Eu tive sorte… Mesmo assim, nada me confortava…
Primeiro ultrassom: eu via duas “coisas” no meu útero, mas até que a médica confirmasse eu não entendia: gêmeos. Dois. Idênticos. A primeira coisa que passou pela minha cabeça: “COMO vocês  foram se dividir ai dentro??? Bom, pelo menos a culpa não foi minha, são idênticos!”.
Minha mãe chorava e a Carina ria muito! Eu tava passada.
Esperei pra contar as boas novas pro meu companheiro pessoalmente, mas algo já dizia pra ele que seriam dois! Conexão de pai, acredito.
Bom… Contamos pra minha sogra: ela é muito séria, e não ficou chocada, mas fez questão de deixar claro que fomos irresponsáveis… A pressão da responsabilidade ia aumentando e me esmagando por dentro. Conflitos com ela me deixavam deprimida: eu não tinha vontade alguma de deixar a cama… Meu companheiro tentava me consolar e consolar as bebês… Mas eu estava inconsolável… Era muita coisa pra mim.
Com 18 semanas e depois de muito trabalho interno, eu estava me acostumando com a ideia de tudo… Já havia passado por um estágio onde todos estavam muito felizes em ter uma gestante por perto, e eu era bajulada… A ideia começava a entrar na cabeça e no coração… Eu era mãe!!! As coisas tavam ficando boas… Minha formatura se aproximava: festa – poxa, não vou beber, e sinto sono pra caramba… Mas não tem problema, vou rever muitos amigos! Marquei o ultrassom de saber o sexo das bebês (eu já sabia que eram meninas no meu coração) pro dia da formatura, assim o pai delas poderia vir pras festas todas…
Cerimônia de colação de grau pela manhã… Ultrassom a tarde. A gente tava nervoso, eu não queria saber o sexo delas, gosto da surpresa, mas meu companheiro é extremamente ansioso e tava me contagiando. Queria conhecê-las…
Entramos. Eu tava feliz demais em vê-las, e a médica me pergunta: “você sangrou ou teve dor?”
Não. Eu não conseguia falar. Meu companheiro: “por que, tem algo errado?”, e ela disse “o coração deles parou, não há batimentos. Nenhum dos dois…” E disse mais algumas coisas que não lembro. “São meninas.”
Choque. Eu não sabia o que pensar, como agir, o que falar. Imóvel. Meu companheiro perguntou muitas coisas, mas eu mal lembro. O que faríamos agora? Corre pro hospital? Já fazia uma semana… Mas eu tive a sensação delas mexendo… Seria uma contração?
Saindo da sala de ultrassom, lágrimas e desespero. Não conseguia falar, só chorar… Meu pai esperava de fora: achou que era emoção… Não. “Tem certeza? Como assim? Você não sentiu elas mexerem?”. A primeira reação dele foi de me tirar da dor… “Isso acontece, calma, não chora…”
Entendam… Não é por falta de sensibilidade, é por amor! Ver alguém que você ama sofrendo é terminal… A primeira reação é de acabar com a dor, tirar aquilo o mais rápido possível. E foi isso o que a família toda tentou fazer… E machucava. Machucava muito. Dentro de mim eu gritava “COMO NÃO CHORAR? COMO NÃO SOFRER? MINHAS FILHAS MORRERAM!”
Mas eu sabia que, no fundo, só meu companheiro me entendia. Ele chorava por elas e por mim.
A médica nos orientou a procurar imediatamente o meu obstetra, ligamos pra ele, mas ele não atendia de sexta-feira a tarde. Não estava na cidade… Deu opções: internação imediata, pra a indução do parto, ou esperávamos ele chegar de viagem, no outro dia, para internar. Eu não havia pensado nisso: parto? Eu vou ver elas? Como assim? Não consigo!!! Eu estava planejando um parto lindo e respeitoso pra elas, mas nem tinha me encontrado oficialmente com minha doula ainda… Liguei pra ela… Expliquei tudo, e ela veio. Não podia estar 100% do tempo, mas ficou até eu ser internada. Me explicou que o melhor a fazer era vê-las e me despedir. Era parte do processo do luto, e ia me fazer entender que acabou. Elas se foram. Confiei nela, fomos pra maternidade.
Houveram alguns problemas com o quarto e demorei pra internar… Meu médico até chegou de viagem, e ficamos esperando na recepção da maternidade… Meu companheiro estava muito alterado já, nervoso, impaciente. Fomos dar uma volta, acalmar o coração, ficar a sós. Contrações começaram naturalmente, fraquíssimas… Meu corpo começava a aceitar que tava na hora… Não, acho que era a cabeça mesmo. Internei por volta das 21h de sexta-feira, 11/03/16, e a indução começou à meia-noite do dia 12/03. Meu médico, Rogério Lima, o mais fofo e sensível da face da terra, sempre muito amoroso e com palavras de conforto pra nós dois. Não queria que ninguém ficasse comigo além do Edgar, meu companheiro. Era ele a única pessoa que entendia o que estávamos passando, e a única que me confortava de verdade. Todos foram embora. Me ofereceram um calmante para conseguir dormir, já que o parto poderia me cansar muito, aceitei. Dormi, mas acordei meia-noite para o início da indução… Dormi de novo.
Acordei as 7h com a copeira trazendo o café da manhã, e então fiquei aguardando as 8h, que seria o momento da reaplicação do medicamento da indução. 8h. 9h. Algumas contrações bem espaçadas. 10h. Contrações fortes, a bolsa rompe. Aí começaram a ficar bem doloridas, impossível de me mexer entre elas… Fui pro chuveiro pela sugestão da enfermeira… Edgar massageava minhas costas e não deixava o meu lado. Ele já havia avisado a Marina, minha doula, e minha mãe. Depois não saiu do meu lado. Contrações fortes, lágrimas de preparação… Num momento inexplicável, nasceu Helena… Estranhamente eu sabia que ela viria, mas veio totalmente sem aviso… Peguei ela, tão pequena, tão frágil, molinha… Me sentei no chão do banheiro com ela conectada a mim ainda, e desabei em lágrimas. Eu não a teria comigo. Não a alimentaria do meu leite. Não sentiria seu cheiro, seu toque. Era ali, a oportunidade de conhecê-la e me despedir. Edgar, inconsolável, chamou o médico… Cortaram o cordão e a levaram… Ela seria enviada pra análise.
Eu chorava… As contrações nem doíam mais perto da dor que inundava meu coração. Em algum momento, enquanto eu olhava o sangue pingar de mim e se dissolver na água do chuveiro, senti as mãos da Marina, e Edgar anunciou “a Marina tá aqui…” E eu acenei com a cabeça.
Sai do chuveiro e fui pra banqueta de parto… Mas as contrações pareciam não estar mais tão fortes…  O medico sugeriu fazer o toque na banqueta mesmo pra saber se a Sofia estava vindo, e estava muito perto, já no canal vaginal. Quando ela estava coroada, as contrações pararam, e eu só fazia força pra que ela saisse e eu pudesse finalmente me despedir. Numa força final veio Sofia, empelicada, protegida e tão pequena… Era menor que a irmã, e consigo me lembrar das mãozinhas pequenas que pareciam protejer seu rostinho… E ela se foi.
O que aconteceu depois foi detalhe, mas assim minhas flores vieram e partiram do mundo. Meus amores… Deixaram um vazio enorme dentro de mim e do papai. Eu não pude deixar de me sentir culpada depois, pensando se todo o estresse que passei na gestação, todo o desespero de estar carregando uma responsabilidade que eu não podia assumir foram as causas de tudo… Meu obstetra fez todos os exames possíveis e não encontrou nada anormal. Me tranquilizou sempre, dizendo que eu jamais deveria me culpar… Inevitável.
Mas eu tive muita sorte. Minha doula querida, Marina, com o apoio de mais três mulheres maravilhosas, Patrícia, minha orientadora e mãe da Daniela, que havia partido também, Mariana, mãe de três bebês anjos, e Luciana, mãe de dois bebês anjos, fundaram o Aurora: grupo de apoio à perda gestacional e neonatal, que acontece semanalmente no Espaço Paineira e na Casa das Rosas, em São Carlos – SP. Era ali que eu renasceria como mãe e como mulher.
Muitos encontros se passaram e eu consegui, com a ajuda super necessária dessas almas abençoadas, passar pelo luto e ver que ele é necessário!!! Precisamos vivê-lo! E entendi que as pessoas não tentam nos tirar do luto por maldade, é por amor… Perder um filho ainda na barriga é algo muito subjetivo para quem tá de fora, e é um tabu na sociedade. PRECISAMOS FALAR SOBRE ISSO.
As pessoas precisam deixar a família em luto viver isso, e em seu tempo retomar a vida. Eu, no caso, não retomei. Eu já passava por um processo de dúvidas pessoais e profissionais antes da gestação, mas agora… Era impossível retomar a vida de antes. Eu não era a mesma, eu não sou a mesma. Helena e Sofia me transformaram completamente… E hoje eu SEI qual era a missão delas: vir, me fazer mãe, e partir, me transformando em algo muito melhor.
Hoje, sou doula, ajudo outras mulheres a conhecer seus bebês e passarem por essa experiência da forma mais respeitosa possível. Foram ELAS que me transformaram…
O que tenho a dizer pras mães e pais de anjos é: chorem, gritem, façam o que o coração de vocês mandar. Seus bebês são importantes, e merecem ser chamados pelo nome que escolheram… Passem por isso, e procurem ajuda. Procurem grupos onde vocês possam falar, ouvir, e ver que não estão sozinhos! Que outras famílias passam por isso e que a dor passa!
Juro… A dor passa, e fica a saudade!
Lembrem-se: se vocês não se transformaram com a entrega de seus anjos, é porque ainda há algo ai dentro a ser trabalhado. Procure ajuda… É necessário passar pelo sofrimento, mas não precisa ser sozinho!
Paz a todos!!!
Gabriela & Edgar
Com amor e saudade de Sofia e Helena ❤

5 comentários em “História da Sofia e da Helena

  1. Eu passei algo parecido ,só que no caso eu sou a avó. Avó de um anjo chamado Davi,meu pequeno veio ao mundo com 28 semanas,500 grs.A mãe ( namorada do meu filho) estava tratando de um mioma, exames, gravidez não confirmada, até que por fim um médico resolveu interna-la para exames mais detalhado,que susto, atrás de um mioma enorme ,estava o guerreiro Davi. Gravidez de alto risco,internacao. Até que em um sábado lindo ,nosso anjo nasceu. Pequeno demais, nasceu em um hospital sem recurso algum. Eu em estado de choque,pois não sabia até então dá gravidez ,vem tudo junto, *mãe vc é avó* . Como assim ,sim eu sei tenho 3 princesas, não mãe vc é avó de um menino ..
    Choro de alegria ,logo substituído por choro de preocupação, vi o meu menino minguar,me senti impotente, a única coisa que pude fazer ,foi junto a família e amigos orar
    Faça a tua……..vontade meu Deus. Assim mesmo,demorando para completar a frase,medo de ser atendida, como se eu tivesse o poder de reter algo . Não fui no hospital ver o meu pequeno, a única foto dele ,que guardo até hoje no meu cel ,foi enviada pela mãe dele,tirada escondida . Uma semana depois , num dia de domingo lindo,meu Davi se foi. Eu sei as lágrimas que vc derramou, pq tb derrame, e derramo até hoje,um ano depois. O que mais dói e que no mesmo dia em que conheci seu rostinho,toquei na sua pele, me despedi dele. E o que me trouxe conforto foi tb um grupo de apoio, Recomeçar, Grupo de Acolhimento as Famílias Enlutadas do Itaci, grupo esse em ajudei a formar exatamente 4 anos antes.
    De acolheredora ,passei a ser acolhida
    Falar do meu menino me faz bem !!!

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  2. Oi Gabriela…..é muito dura a perda de um filho independente das condições.
    Eu fiquei muito emocionada quando soube que ia ter gêmeos…putz..era meu sonho, mas a vida teve outros planos pra mim; eu esperava dois meninos, placentas separadas, com 5 meses de gravides perdi um…foi muito doloroso e meu médico queria fazer a cesariana e tentar salvar o outro bebê. Nem pensar de isso acontecer, não vou tirar; já perdi um.
    O médico me disse que eu era um caso em 1.000. A comida só ia para um bebê.
    Eu era, como o médico disse, uma bomba relógio…poderia adquirir tétano e perder os dois e eu. Na época meu marido ficou desesperado e pediu que eu deixasse o médico fazer o que era preciso..que teríamos outros, mas eu me neguei e coloquei nas mãos de DEUS.Eu fazia exames de sangue toda semana para ver as taxas de….(não me lembro mais…rsrsrs). Com 10 dias antes de completar oito meses a bolsa estourou e o Bruno nasceu e o mais engraçado da história (para quem acredita ou não) é que algumas semanas antes fui em uma mulher que benzia acompanhar uma amiga e na sala onde eu estava esperando havia uma mulher que olhou para mim e me disse: quantos meses?
    -estou de 5 e são gêmeos!
    Ela olhou pra mim e disse:
    -Não, você vai ter um menino, o outro está só o acompanhando ….ainda não é o momento dele vir, mais pra frente ele volta , outro menino!!!!
    Ele se chama Gabriel!

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